Nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro comemora, com muita justiça e gratidão, o centenário de seu 5º arcebispo metropolitano, o Cardeal Eugenio de Araujo Sales, no dia 8 de novembro, com missa solene de Ação de Graças pela sua vida abençoada.
Dom Eugenio nasceu em Acari, no Rio Grande do Norte, em 8 de novembro de 1920. Foi ordenado presbítero em 21 de novembro de 1943 e consagrado bispo em 15 de agosto de 1954. Foi eleito arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro em 27 de março de 1971, tomando posse da arquidiocese em 24 de abril de 1971, e a governou até 25 de julho de 2001. Faleceu, santamente, em 9 de julho de 2012.
Desde antes de assumir o governo da arquidiocese, em 19 de abril de 2010, tenho manifestado – quer pessoalmente ao homenageado, ou mesmo visitando-o no Sumaré, ou recebendo-o no Edifício São João Paulo II quando assumi a arquidiocese – a nossa gratidão e reconhecimento pelo muito que o amado Cardeal Sales fez em favor da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Depois, tivemos a oportunidade de celebrar seus jubileus, quando, numa demonstração de unidade de todo o Regional Leste 1 da CNBB, e com a presença de muitos senhores cardeais, arcebispos e bispos, sempre manifestamos, nós e as demais autoridades eclesiásticas, civis, militares e, particularmente, as lideranças do laicato, o respeito, carinho, devoção e reconhecimento pelos mais de 30 anos de seu pastoreio em nosso meio.
Assim, o centenário do nascimento de nosso Cardeal Sales é de uma preciosidade que não caberia apenas neste artigo de ação de graças pela sua vida e pelo seu generoso ministério episcopal entre nós. Vou me ater a alguns dos principais legados do nosso homenageado:
1. A Obra das Vocações Sacerdotais: Desde que tomou posse como 5º arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, o Cardeal Sales dedicou especial atenção para a OVS – Obra das Vocações Sacerdotais.
Ele tinha como centro de sua ação evangelizadora o fomento para com as vocações sacerdotais. Ele amava as vocações e, pessoalmente, se incumbia de promover vocações santas e numerosas para o ministério sacerdotal.
2. O Seminário São José: O seminário era o centro da ação episcopal do Cardeal Sales. Visitava-o com frequência. Conhecia os seminaristas pelo nome. Celebrava sempre na Capela do Seminário São José e tinha especial predileção por esta Casa de Formação. As melhores forças que tinha eram empreendidas em favor das Vocações Sacerdotais e do Seminário Arquidiocesano de São José.
As ordenações sacerdotais eram o ponto alto de todo término do ciclo teológico. Ano a ano, as ordenações aumentavam e o coração do pastor se enchia de alegria, pois o próprio Cardeal Sales presidia as ordenações na Catedral Metropolitana.
3. Diaconato Permanente: O Cardeal Eugenio Sales instituiu o Diaconato Permanente, em 1983. Em seu governo, depois de formados pela Escola Mater Ecclesiae, foram ordenados 39 diáconos, em dez turmas, de 1987 a 2000.
4. Refugiados no Rio de Janeiro: Procurado por um grupo de cinco chilenos, em 1976, o então arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugenio Sales, decidiu instalar um serviço permanente de ajuda a refugiados, oferecendo abrigo e buscando encontrar um terceiro país que pudesse protegê-los. O Cardeal Sales designou a Cáritas do Rio de Janeiro para assumir essa tarefa em nome da arquidiocese, dando origem ao primeiro trabalho sistematizado de atendimento a refugiados do Brasil.
Apoiado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) desde o primeiro momento, o Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio da Cáritas RJ hoje tem o respaldo do Ministério da Justiça e conta com as parcerias de diversos órgãos, ONGs e demais instituições, atendendo a pessoas de mais de 60 nacionalidades. Em 1976, a Arquidiocese do Rio de Janeiro iniciou um trabalho pioneiro de assistência a refugiados que chegavam à cidade. Eles vinham de países vizinhos, como Argentina, Chile e Uruguai, fugindo da perseguição política exercida pelos regimes militares da época. Como o Brasil também estava sob governo militar, o Rio de Janeiro servia apenas como rota para que os refugiados chegassem à Europa. Graças à visão do Cardeal Sales, teve origem o primeiro trabalho sistematizado de atendimento a refugiados no Brasil. Muitos foram os projetos implantados, como a Casa de Acolhida, o Curso de Português, os Grupos de Orientação, Mares, Refugiados nas Escolas etc.
5. Banco da Providência: O Banco da Providência, criado em 1959 por Dom Helder Câmara. A instituição recebeu o nome de ‘Banco’, pois naquela época a população de situação vulnerável não tinha acesso aos bancos do sistema financeiro. Nasce o Banco da Providência com a missão de contribuir para uma sociedade de maior igualdade, em que mesmo os mais sem oportunidades tivessem “um banco” para chamar de seu! E, ao longo de mais de meio século, é uma referência no atendimento às demandas sociais. O Banco da Providência é uma organização social sem fins lucrativos que, há 59 anos, trabalha para contribuir na redução da desigualdade social e colaborar na defesa dos direitos de jovens, adultos e famílias que vivem em situação de pobreza extrema, na cidade do Rio de Janeiro, através de projetos de capacitação profissional e geração de renda. A ação estratégica está concentrada em cinco bairros que abrangem 60 comunidades com os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Esta obra foi uma das atividades caritativas que contou com total apoio do Cardeal Sales nos 30 anos de seu profícuo governo pastoral, quando ele, pessoalmente, se empenhava na realização da Feira da Providência a fim de levantar recursos para alavancar a ação do Banco da Providência.
6. Visita Apostólica do Papa João Paulo ao Rio de Janeiro em 1980: O Papa João Paulo II pousou no Rio de Janeiro, às 16h40 do dia 1º de julho de 1980, proveniente de Belo Horizonte, sendo recebido pelo seu fraterno amigo, o Cardeal Eugenio de Araujo Sales. Seguiu para o Aterro do Flamengo onde celebrou a Santa Missa. O dia 2 de julho iniciou-se com visita ao Vidigal. Começou às oito da manhã. Na comunidade, o Papa inaugurou a Capela de São Francisco de Assis, construída, em mutirão, pelos moradores. “Vim aqui, não por curiosidade, mas porque amo vocês e lhes quero bem”, declarou o Pontífice em seu discurso. Depois de abençoar a capela, quebrou o protocolo ao presentear a comunidade com o seu anel episcopal, e entregou-o ao padre Coelho, coordenador da Pastoral das Favelas. Dias depois, Coelho confiou a joia ao frei Benjamin Remiro Diaz, da Paróquia Santa Mônica, no Leblon.
Feito de ouro maciço, ele tem 18 quilates e pesa 21 gramas. O anel não foi vendido, nem leiloado. Dom Eugenio achou melhor guardá-lo no Museu de Arte Sacra, onde está até hoje. Ainda no Rio, João Paulo II celebrou uma missa campal para um público estimado de um milhão de fiéis no Parque do Flamengo. Um coral de 2,5 mil vozes recebeu o Papa, ao som de “A bênção, João de Deus”, música-tema da visita escrita pelo jornalista Péricles de Barros e composta pelo maestro Moacyr Maciel. A canção foi escolhida através de um concurso realizado pela Arquidiocese do Rio. “O Burle Marx não gostou de saber que uma missa seria celebrada no Aterro do Flamengo. Tinha medo de que a multidão destruísse as árvores do parque. O que fizemos? Cada paróquia disponibilizou 15 jovens que montaram um cordão de isolamento ao redor das árvores. Tudo terminou bem”, festejou Maria Christina. No Maracanã, 150 mil pessoas assistiram à ordenação de 76 novos padres.
Dois deles eram do Rio: Manuel Manangão, hoje vigário episcopal para a Caridade Social da Arquidiocese do Rio, e Silas Vianna, hoje cura da catedral militar Rainha da Paz, em Brasília (DF). Em sua visita, João Paulo agendou encontros com padres, bispos, religiosas, operários, índios e até cientistas, no Centro de Estudos do Sumaré, no Rio Comprido, zona norte do Rio.
7. Religiosas nas Paróquias: Uma das inovações que Dom Eugenio fez foi a nomeação de religiosas e consagradas para gerirem as paróquias como administradoras. Esta experiência foi pioneira, mesmo havendo um pároco padre, elas é que animavam efetivamente a vida das comunidades.
Ainda encontrei aqui no início da missão algumas comunidades nesta inovadora e exitosa iniciativa de nosso homenageado.
8. A Santa Missa em Seu Lar: A Santa Missa em seu Lar foi iniciada em 1963 pelo Cardeal Jaime de Barros Câmara. Quando Dom Eugenio sucedeu ao falecido Cardeal Câmara, passou a celebrar a missa todos os domingos.
Depois, a missa passou a ser transmitida pela Rede Globo e terminava sempre com o programa “A Voz do Pastor”, de natureza teológica e formativa, em que o Cardeal Eugenio Sales entrava todos os domingos nos lares dos cariocas e dos brasileiros em geral. Muitos de nós assistimos, com alegria e entusiasmo, a pregação dominical do Cardeal Sales.
9. Formação dos religiosos e das religiosas: Dom Eugenio sempre deu singular importância para a formação dos religiosos, das religiosas e dos consagrados. Seu bispo auxiliar Dom Karl Josef Romer ficou encarregado de acompanhar a vida religiosa e consagrada, e, em seu nome, muito colaborou para a formação permanente e a capacitação de nossos religiosos e consagrados.
10. Pastoral do Menor: A Pastoral do Menor foi fundada em 1984 pelo Cardeal Eugenio Sales para ajudar as crianças mais sofridas da arquidiocese.
Buscando a promoção e a defesa da criança e do adolescente, desrespeitados em seus direitos humanos. E ela tem, desde o início, como missão: “Promover e defender a vida das crianças e dos adolescentes empobrecidos e em situação de risco pessoal e/ou social desrespeitados em seus direitos fundamentais”.
11. Pastoral das Favelas: Com a Pastoral das Favelas, Dom Eugenio foi fundamental para impedir a remoção de moradores da Favela do Vidigal. Em artigo publicado no site da CNBB, eu firmei que Dom Eugenio não fez apenas discursos em defesa dos pobres: “Na prática, no dia a dia, no socorro de suas necessidades e na sua colaboração profissional, ou seja, a sua promoção. O Cardeal Sales, silenciosamente, como ele gosta de dizer, protegeu os moradores, ajudou-os materialmente e foi sua voz [...]”.
12. Curso para os Bispos: A Arquidiocese do Rio de Janeiro tem uma tradição, que vem desde a época do Cardeal Dom Eugenio Sales, em 1990, de proporcionar, no período de férias, no início do ano, um encontro para bispos. É um trabalho que a arquidiocese faz com muita alegria, e vemos que tem sido cada vez mais procurado pelos bispos. O primeiro curso teve como conferencista principal o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger (futuro Bento XVI). Dom Eugenio pensou neste curso como atualização, encontro e convivência dos bispos que, refletindo a cada ano acerca de assuntos atuais da vida da Igreja, sempre podem desfrutar de um momento de atualização, descanso e congraçamento episcopal.
Os cursos continuaram no governo do Cardeal Scheid e, também, agora conosco.
13. Testemunho de Fé: Criado em 1992, o jornal “Testemunho de Fé”, de maneira ininterrupta, desde a sua fundação é o órgão oficial da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Dom Eugenio fez questão, desde a sua fundação até a sua renúncia, de publicar todas as semanas o seu artigo que versava sobre doutrina, fé, moral, formação e ação pastoral.
14. Rádio Catedral FM: A Rádio Catedral 106,7 FM foi fundada em 8 de dezembro de 1992 pelo Cardeal Eugenio Sales, para ser a emissora oficial da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Ele mesmo deu a bênção inaugural da nova emissora com a presença do então governador Leonel de Moura Brizola. Sob o auspício de Nossa Senhora de Fátima, a primeira e única emissora católica FM da Cidade Maravilhosa alcança todo o Grande Rio e cidades circunvizinhas, levando a todos esses lugares a Palavra de Deus através da veiculação de músicas católicas, entrevistas, debates, programas de formação catequética e doutrinal, informação e entretenimento, além de variados momentos de oração (Ângelus, santa missa e recitação do terço em comunidade, Terço da Misericórdia e Terço da Providência).
15. 2º. Encontro Internacional das Famílias em 1997: São João Paulo II retornou ao Rio de Janeiro para presidir o II Encontro Mundial das Famílias: 1997 (4-5 outubro) Rio de Janeiro (Brasil) que teve como tema: “A família: dom e compromisso, esperança da Humanidade”. O Papa São João Paulo II chegou ao Rio de Janeiro em 2 de outubro de 1997. No dia 4, presidiu Santa Missa Solene na Catedral Metropolitana com os bispos, clero, religiosos, religiosas, representantes do Congresso Teológico-Pastoral.
Depois, houve a festa Testemunho das Famílias com o Papa. No dia 5 de outubro, teve a Missa Campal com as Famílias, no Aterro do Flamengo.
Nesta ocasião, o Papa São João Paulo II dirigiu uma Carta aos Enfermos do Instituto Nacional do Câncer e aos Presos do Presídio Frei Caneca. Dom Eugenio Sales tinha especial amor pelas famílias, e este Encontro Internacional foi um dos grandes marcos de seu episcopado.
16. Cursos para as lideranças leigas no Sumaré: Uma das principais preocupações do Cardeal Sales foi a formação dos leigos e leigas. Empenhou-se pessoalmente na capacitação dos leigos no Centro de Estudos do Sumaré.
17. Fidelidade ao Papa: O Cardeal Sales foi eleitor nos conclaves que elegeram o Papa João Paulo I e o Papa São João Paulo II. Ele presidiu a Missa pro elegendo Pontífice do Conclave, que elegeu o Papa Bento XVI. Uma das suas características marcantes era a irrestrita e absoluta fidelidade aos Papas, desde Pio XII que o escolheu ao Episcopado, passando por São João XXIII, Beato Paulo VI, João Paulo I, São João Paulo II e Bento XVI. Uma questão digna de nota é que Dom Eugenio participou de todas as sessões do Concílio Ecumênico Vaticano II e sempre foi um grande entusiasta e promotor das reformas conciliares.
18. Fidelidade doutrinária: A correção doutrinária de Dom Eugenio pode ser resumida em seu testamento: “Dirijo-me em primeiro lugar a Deus a quem me entrego inteira e absolutamente.
Consagrei-me à Igreja e renovo essa doação integral. Nunca me arrependi de tê-la feito. Tudo o que escrevi, disse e ensinei fica submetido ao Magistério eclesiástico. Deverá ser corrigido, em caso de discrepância da minha parte. Reafirmo minha Fé Católica. Creio em tudo o que a Igreja ensina e como ela ensina. Proclamo a plena aceitação do Mistério da Trindade, da Encarnação, Redenção e demais que são parte do conteúdo de nossa Doutrina. Quero morrer sempre fiel ao Papa, Sucessor de Pedro.
Não levo mágoas. Peço perdão a quem ofendi. Procurarei reparar os sofrimentos com minhas orações.
Aceito plenamente a vontade de Deus [...]. No céu, onde espero ser acolhido por meu Pai, o Senhor Jesus e Maria, procurarei retribuir tudo que recebi”. (Rio, 7/10/2003). Leia mais: https:// domeugeniosales.webnode.com.br/ news/palavras-do-testamento-de-dom-eugenio/
Dom Eugenio tinha como lema episcopal “Impendam et Superimpendar” (‘De bom grado me gastarei e me desgastarei em favor de vós’). Ele marcou a Igreja e o Brasil com suas obras em favor dos mais pobres. A vivência radical deste lema fez do cardeal um pastor que cuidou do rebanho, enfrentou os lobos e se tornou um sinal não só para a Igreja, mas para toda a sociedade. Aprendi muito com o jeito silencioso de agir de Dom Eugenio, que o levou a algumas incompreensões.
Mas a sua verdadeira coroa de glória foi sua profunda conformidade com Nosso Senhor Jesus Cristo. Somos testemunhas de que esse irmão guardou a fé até o fim dos seus dias. Dom Eugenio se consumiu por inteiro. Deu de muita boa vontade o que era seu.
O centenário do Cardeal Eugenio de Araujo Sales é a viva demonstração de que somente a fidelidade à Santíssima Trindade, em conformidade com a Escritura e a Tradição, autenticamente interpretadas pelo Magistério da Igreja, nos dão forças para evangelizar o mundo, mesmo remando contra todas as incompreensões, mas com os olhos fixos no céu, nossa morada definitiva!
Que da pátria celeste, Dom Eugenio interceda por todos nós, clérigos, religiosos(as) e leigos, especialmente pelos mais necessitados, que são também os preferidos de Deus. De tudo o que acabamos de ler, fique-nos, da vida de Dom Eugenio, a grande lição viva daquilo que São Paulo, o grande apóstolo missionário, proclama: “Deus ama quem oferta com alegria” (2Cor 9,7). Mais: parafraseando o mesmo Apóstolo, nosso antigo cardeal poderia, talvez, nos pedir hoje: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Cor 11,1), ou seja, “tenham coragem! Se eu, com a graça de Deus que a ninguém falta, consegui, vocês também conseguirão!”
Assim seja!
Reprodução:http://arqrio.org/