Carlos Wehrs marcou presença no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ativo, colaborador, presente, amigo. Muito assíduo, mesmo antes de sua incorporação como sócio, jamais perdeu o interesse pela Casa e pelos confrades.
Eleito em 1989, continuou a participar da Cephas e passou a colaborar com o presidente Américo Jacobina Lacombe e o secretário Vicente Tapajós nas atividades, apoio que prosseguiu nas presidências seguintes, com o próprio Tapajós e comigo. Dirigiu de modo competente e enorme empenho a Revista. Auxiliou também muitíssimo na Comissão de Admissão de Sócios, com a delicada tarefa de aplicar critérios severos de triagem que garantissem a qualidade dos ingressantes. Ocupou também por algum tempo a direção do Arquivo.
Pertencia a outras agremiações, mas sua dedicação ao Instituto foi ímpar. Todas as quartas feiras e eventualmente mais um dia na semana estava em sua sala na
direção da Revista. Ao deixar a função, continuou presente, colaborando e opinando, sempre muito acatado. Tinha amor pelo IHGB e posso testemunhar a intensa dedicação e identificação com ele, tanto nos momentos de bonança, quanto nos de desafio e preocupações.
Preenchia aquela que é uma das melhores qualidades dos membros das instituições: o pertencimento.
Médico de formação, com atividade em órgãos públicos e privados, tinha cultura sólida e diversificada. Falava bem francês, inglês e alemão e sua gama de interesses passava pela história, literatura e música, eventualmente combinando-as, como fez em alguns trabalhos.
A obra historiográfica é extensa, além daquela dedicada à medicina: 9 livros e 33 artigos na Revista do Instituto e colaborações em outras publicações, como a Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro.
Deu-me a maioria de seus livros e os artigos fui lendo à medida que saiam na Revista, de modo que pude fazer uma ideia razoavelmente clara de sua produção.
O Rio de Janeiro e Niterói disputavam seu interesse de historiador. Sobre a capital do antigo estado do Rio escreveu os livros Niterói, cidade sorriso – a história de um lugar; Niterói, ontem e anteontem ; Niterói, tema para colecionadores e Capítulos da memória niteroiense. Na Revista publicou em 2010 o estudo 125 anos de presença germânica em Niterói, 1814-1939.
A propósito do Rio de Janeiro são os estudos Meio século de vida musical no Rio de Janeiro, 1839-1889, O Rio antigo de Aluísio de Azevedo e de modo quase indireto, Machado de Assis e a magia da música. O estudo sobre a cidade na obra de Aluísio de Azevedo foi seu discurso de posse como sócio do Instituto, publicado primeiro na Revista e depois ampliado. Ainda sobre a cidade foi a conferência proferida na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro por ocasião do segundo centenário da execução de Tiradentes, em 1792, intitulada Tiradentes e o Rio de Janeiro. A conferência fez parte de uma série da qual o IHGB foi encarregado, editando-se o livro com todas as exposições no ano seguinte. E publicou na Revista uma incursão pela história da arte, Algumas das arcadas do velho Rio de Janeiro.
Ademais de suas temáticas principais, Wehrs dedicou-se também a escorços biográficos, como fez sobre Karl von Koseritz, Charles Dunlop, o musicólogo Francisco
Curt Lange, o general Fonseca Ramos, a princesa Leopoldina de Saxe-Coburgo e sobre os dirigentes do IHGB, o presidente Joaquim Norberto de Sousa e Silva e o secretário perpétuo Max Fleiuss. De nosso confrade Oliver Ónody, grande historiador econômico e húngaro de nascimento, deu comovido depoimento em 1998, após visitar seu túmulo em Viena, em cuja lápide, destacou, está registrado: Mitglied des Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – membro do IHGB.
Foram breves suas incursões pela história da medicina, todas saídas na Revista: sobre o bibliotecário do IHGB e dos maiores especialistas na história do Rio de Janeiro, Vieira Fazenda, como médico; o artigo Homens e instituições fluminenses na luta contra a febre amarela; e seu penúltimo trabalho e por ora último publicado na Revista, Pro-Matre. História e Memória, misto de estudo e depoimento a partir de sua experiência como médico atuante na instituição.
Duas traduções que fez do alemão para o português são particularmente importantes para a história cultural e a história política do Rio de Janeiro. Uma, o livro O Rio antigo, pitoresco e musical, no qual traduz e adapta as memórias e o diário de seu avô C. Carlos J. Wehrs, com preciosas informações sobre a cidade na época do Império. O outro, o trabalho O Rio de Janeiro de 1828, visto por H. Trachsler: tradução, notas e comentário, que narra as agitadas circunstâncias políticas da cidade no final do Primeiro Reinado envolvendo os mercenários alemães contratados pelo Imperador Pedro I.
Reuniu trabalhos no último livro que publicou, O Canto do Cisne, de cujo título disse-lhe que discordava, por entender que ainda poderíamos esperar mais dele. Respondeu-me que não seria possível, mas pouco depois desafiei-o a fazer um registro histórico sobre o bicentenário da elevação de Niterói a vila e a nomeação de seu primeiro juiz de fora, José Clemente Pereira, que logo teria papel tão significativo na independência e no processo de consolidação do Estado nacional. Atendeu ao chamado mais uma vez e apresentou sua comunicação em março de 2019, às vésperas de seus 92 anos.
Tínhamos, Maria José e eu, por Wehrs e Maria Luiza um grande afeto. Talvez ele apreciasse que este registro se concluísse na voz de Machado de Assis: “...travaram uma dessas amizades que resistem aos anos, e são muita vez a melhor recordação do passado.”